25.4.10

amar é reconhecer

Amar é reconhecer afetuosamente o direito que o outro tem de fazer suas escolhas (mesmo que essas escolhas me excluam). E eu agora me lembro do que disse Roberto Freire, na sua Declaração do Amor Anarquista:

"Porque eu te amo, tu não precisas de mim. Porque tu me amas, eu não preciso de ti. No amor, nunca nos deixamos completar: somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários."

18.4.10

não creia em mim

Não creia cegamente no que eu digo.
Questione todas as convicções – inclusive as minhas.
Mas principalmente as tuas!

10.4.10

vida e morte


A Vida é um jogo, onde só podemos ganhar
aquilo que arriscamos.

E parece que hoje não estamos ganhando muito,
nem perdendo muito.
Nenhuma derrota acachapante, nenhuma vitória espetacular.
Nenhum ato grandioso e nenhuma desgraça.
Nenhuma nova paixão inesquecível.
Nenhuma queda profunda e nenhum salto mortal.
Nem pra cima — nem pra baixo.
Nada!
Nem escuridão, nem brilho, nem glória, nem tragédia.

Assim, a nossa vida.

Segura, regular, pacata, certinha e normal.

Tudo em ordem, tudo estável e bem comportado.
Tudo em brancas nuvens...
Mas tudo meio tépido,
meio chato, meio frouxo, meio mole.
Meio apagado.
Meio cinzento e meio sem graça.

Assim, a nossa morte.


E parece que nem percebemos a diferença...

3.4.10

cresci como os deuses

Cresci como crescem as magnólias e os gatos. Cresci como crescem os machados e os sândalos, as margaridas e os girassóis. Cresci como crescem os pequeninos e os inocentes. Cresci como crescem os Deuses.


E agora?

1.4.10

nasci dentro de mim

Eu já nasci dentro de mim. Depois foram me arrancando à força, foram, com violência, me tirando de mim mesmo. Tiraram primeiro a minha inocência, depois tiraram aquelas coisas que eu amava: minha gratidão pela vida, meu entusiasmo pela vida, meu maravilhamento pelas pequenas coisas. Tiraram-me a alegria pelas pedrinhas com que eu brincava, a alegria pelos meus brinquedos, tiraram minha inocência, cada vez mais, e foram então colocando dentro de mim aquelas coisas horrorosas, foram colocando responsabilidade, colocaram medo, preconceitos, moral, a idéia de pátria, o conceito de família, a necessidade do trabalho, de uma religião castradora, procriação, pecado, pressa, essas coisas...

Tiraram minha inocência de pegar em suaves mãos desconhecidas e passear por qualquer lugar; tiraram minha inocência de ver a beleza de um pardal. Ensinaram-me que qualquer número elevado à potência zero é igual a um; ensinaram-me verdades e mentiras, e mentiras que diziam ser verdades. Tentaram colocar em mim a necessidade de seguir regras. Me disseram que o juízo de valor que se faz sobre um fenômeno é mais importante que o próprio fenômeno. Disseram-me para ter opiniões e defendê-las até à morte — mesmo que erradas. Me ensinaram que existe o certo e o errado, mas não me contaram que às vezes o certo é errado, e o errado também pode ser certo. Me falaram sobre Euclides e as certezas, mas me esconderam o Einstein e as dúvidas. Quiseram me fazer esquecer como se questiona...

E depois, além da inocência, me tiraram a liberdade. Me disseram que eu só poderia sentir fome em determinados horários. Me disseram que o meu sono ocorreria sempre às oito e quarenta e cinco da noite, e que eu deveria acordar-me às sete e trinta da manhã. Foram muito precisos ao indicar-me caminhos, e horas, e prazos, e regras, e riscos — e temores. Me disseram que o próprio Deus que criou a natureza, o mundo, e todas as coisas belas, era o mesmo Deus que me olhava lá de cima, com seus olhos de rancor, brabo, sério, vingativo, rigoroso... E que Ele trazia sempre um arco e uma flecha de raios para atingir-me se eu cometesse pecados.

Me explicaram detalhadamente o que era pecado, e que eu poderia ser "queimado no fogo do inferno" mesmo se apenas pensasse coisas impróprias. Disseram que existe um monte de coisas condenáveis, e um monte de outras coisas enobrecedoras e "saudáveis".

Tiraram de mim a inocência de olhar nos olhos de um estranho — e ver neles só amor e mais nada. Me disseram para trilhar apenas os caminhos conhecidos, porque mais seguros. Disseram que eu não deveria nunca amar a aventura, nem arriscar-me pelo novo. Depois, pouco a pouco, foram tirando de mim aquela doce, aquela inocente capacidade de maravilhar-me com pedrinhas coloridas na beira da estrada; de ficar extasiado com uma borboleta que pousasse no meu colo. Disseram-me que não tinha sentido ficar olhando formigas; disseram-me para não mais andar com aqueles meninos pobres e loucos e puros, nem com aquelas meninas gostosas que sorriam pra mim. E que eu devia "acompanhar apenas as pessoas de bem".

E depois, pouco a pouco — mas com determinação — foram cada vez mais me tirando a liberdade. E não apenas tirando-me a liberdade: eles queriam era matar em mim o próprio desejo de ser livre.

Quase conseguiram...

Mas ficou, bem lá no fundo do meu coração, uma semente, uma pequenina semente que agora germina. E volto aqui outra vez para dentro de mim. E trago de novo aquela inocência outrora perdida.

Agora, para sempre: qualquer outra coisa que faça, que não seja isto que eu quero, será uma demonstração de que estarei desperdiçando, outra vez, a minha própria vida — a minha única vida.
A minha única Vida.